quarta-feira, 11 de setembro de 2013

André Arruda: fotografia e paixão


O fotógrafo André Arruda participou da mesa "O mercado de freelancer" no Controversas Grande Reportagem. Nesta entrevista, ele nos conta um pouco da sua carreira e fala das dificuldades e alegrias de trabalhar por conta própria.


Jader Colombino Pena
Sabryna Teixeira Gonçalves

Em uma pequena sala, onde a luz do dia era ofuscada por uma persiana colocada na única janela do ambiente, fomos acolhidos por um grande sofá preto ladeado por uma refinada poltrona vermelha de flores pretas. O capacete na cadeira ao lado e o copo d’água oferecido na chegada nos dava pistas do estilo de vida do fotógrafo freelancer André Arruda. Os diversos quadros com retratos de nuvens e os tantos outros ainda embalados no hall de entrada nos indicavam que estávamos de frente para um apaixonado pelo que faz. Em uma conversa agradável e repleta de divagações, fomos levados por uma hora e quarenta minutos de bate papo. Sempre bem humorado, Arruda praticamente caiu da poltrona na nossa frente no momento em que perguntamos sobre seus trabalhos pessoais, tamanha era a sua empolgação.
O fotógrafo é carioca, formado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo Audiovisual. Já trabalhou em redação no Jornal do Brasil e no jornal O Globo, atualmente tem clientes nos meios jornalístico e publicitário e realiza projetos pessoais. Ele nos conta como surgiu seu interesse pela fotografia e como isso foi sendo desenvolvido ao longo de sua carreira. “Foi uma linguagem nova e eu comecei a me interessar. Na época eu achava o escrever meio passivo, não era o que eu queria exatamente”, contou.

Você fez faculdade de jornalismo?
Sim, na faculdade Cidade, que hoje é a UniverCidade. Entrei em 1986 e me formei em Jornalismo, com ênfase em Audiovisual. Tive uma formação muito ruim no secundário, e precisei recuperar o tempo perdido na faculdade. Foi bem legal e eu gostei bastante. Mas aconteceu uma situação que eu nunca esqueci: um dos donos da faculdade na época demitiu todos os professores que eram gays e de esquerda. E a justificativa dele foi montar um perfil técnico da faculdade. Ali eu posso dizer que larguei de mão, já estava quase me formando também. Foi um choque muito grande, mas era outra história.

O seu primeiro contato com a fotografia foi na faculdade?
Não, meu primeiro contato foi com uma câmera do meu pai. Eu gostava de brincar com aquilo e fotografava a televisão. Mas infelizmente um dia a câmera quebrou e a gente não tinha dinheiro (para consertar). Depois, na faculdade, um professor mostrou pra gente uma foto de Cartier Bresson e aquilo foi um choque pra mim. Eu falei: “O que é isso?” Foi uma linguagem nova e eu comecei a me interessar. Na época eu achava o escrever meio passivo, não era o que eu queria exatamente. Na faculdade eu me interessava – como ainda me interesso – por vídeo. Não era o vídeo que é hoje, porque hoje você com um computador e uma câmera você faz um projeto de vídeo. Pra fazer um trabalho de vídeo naquela época era um drama, tinha que reservar hora na ilha da faculdade, as câmeras eram ruins, tinha que fazer um projeto pra mostrar pra o professor e ele sempre dizia não. Ninguém que foi pra vídeo se deu muito bem, todo mundo ficou trabalhando pra pequenas produtoras e eu me lembro de poucos que tiveram sucesso.
 

"Na faculdade, um professor mostrou pra gente uma foto de Cartier Bresson e aquilo foi um choque pra mim. Eu falei: 'O que é isso?'. Na época eu achava o escrever meio passivo, não era o que eu queria exatamente."


Quais fotógrafos são referência pra você e inspiraram o seu trabalho?
Acho que são três: Cartier Bresson, que me inspirou na época e hoje não mais. Falar de Bresson é falar de Guimarães Rosa, é referência, mas não cabe mais. Richard Avedon e Helmut Newton. Avedon pelo retrato e Newton por fazer algo que eu acho dificílimo, que é fazer uma coisa erótica, quase vulgar, e com humor. E Sebastião Salgado, que eu acho que nenhum fotógrafo fez o que ele fez e nem vai fazer. Porque eu acredito que fotografia não tem desculpa: ela é ou não é. Odeio quem chega pra explicar. Você não pergunta pra o médico qual bisturi ele vai usar. Por isso que eu não gosto de arte conceitual, ter que explicar... Não explica não. A arte emociona ou não. E acho que esses fotógrafos que mencionei têm bastante disso.

Quem você gostaria de fotografar e ainda não teve oportunidade?
Poxa, muita gente. Queria fotografar o Obama, mas sei que não é possível, porque essas pessoas você tem cinco minutos pra fotografar. Mas se eu pudesse, o fotografaria do meu jeito. Gosto de gente que gosta de ser fotografada. Scarlett Johansson, por exemplo, seria um sonho. E tem aqueles que não estão mais vivos, mas eu gostaria de ter tido a oportunidade de fotografar, como Marylin Monroe, Steve Mcqueen, Frank Sinatra.

Algum brasileiro?
Eu queria fotografar o Pelé, mas é muito difícil fotografar essas pessoas porque você tem que fazer contato com a assessoria de imprensa e só fotógrafos como o JR Duran pra conseguir. Já fotografei tanta gente legal, por exemplo, o Gilberto Gil, um príncipe. Estou indo fotografar o Ariano Suassuna. Mas acho que eu estou gostando mais de fotografar as pessoas comuns. Agora quem eu não gosto de fotografar de jeito nenhum são os BBBs, isso pra mim é um desastre pro Brasil e isso está contaminando a sociedade.

 

"A minha visão de freelancer não é ficar sentado esperando trabalho, mas sim ter visão empresarial e colocar o seu produto pra vender sempre."


Você acha que dá pra viver de fotografia?
Essa é uma pergunta maravilhosa. Sim e não. Você tem que ser extraordinariamente bom. Só vai viver mal de acordo com as opções que você faz. Se você me colocar no Ministério da Economia eu faço bem porque eu vivo em orçamento, eu sei meu orçamento pra daqui a três meses de cabeça. Tenho sorte também porque não pago aluguel, o apartamento é de família, vivo numa onda boa. Devem ter entre dez e quinze fotógrafos no Brasil que vivem muito bem de fotografia, o resto passa alguns bons apertos. E a minha visão de freelancer não é ficar sentado esperando trabalho, mas sim ter visão empresarial e colocar o seu produto pra vender sempre. Se o cara fica sentadinho esperando, ele desiste. Você tem que se vender sempre e ocupar os espaços que te dão.

Quais são os pontos positivos de trabalhar como freelancer?
Tem o crescimento pessoal, pois você faz o que você quer.

"Fico vendo quem vence, sempre são aqueles que buscaram se aperfeiçoar, buscaram ser os melhores."


E os pontos negativos do trabalho?
Acho os pontos negativos tão comuns que já nem são mais negativos. Na verdade, gosto muito desse lance empreendedor. Às vezes dá certo, às vezes não, acho que pra fotógrafo está cada vez mais complicado porque tem que entender o mercado, tem que vender. Como ponto negativo seria ficar um tempo sem trabalhar, então tem que saber guardar o dinheiro. Não é pensar: “Estou com dinheiro, vou viajar pra Europa”, e depois da viagem não tem como se manter. Eu acho, inclusive, que no Brasil tinha que acabar com a figura do emprego fixo e todo mundo correr atrás; assim o país despontaria, porque acabaria a zona de conforto e todo dia você acordaria pra vencer. Fico vendo quem vence, sempre são aqueles que buscaram se aperfeiçoar, buscaram ser os melhores.

"Outro dia me disseram: esse céu não existe. Existe, porque é o céu que eu queria. Realidade não existe."


Você já trabalhou em jornais como O Globo e Jornal do Brasil. Tem saudade de redação?
Não tenho mais saudades do jornal diário, porque lá se trabalha demais e isso é pra jovem. Trabalhei dois anos no jornal O Globo e não foi uma experiência positiva. Também trabalhei no JB de 1992 a 1998, mas era outra época, completamente louca e diferente que não vai acontecer mais em nenhum outro lugar. Eu adoraria que existisse uma revista boa no Rio e que eu tivesse uma boa foto por semana pra fazer, com a qualidade que eu acho que tem que ter. Não sou um fotógrafo de muitas imagens, gosto de entregar poucas, mas com aquele acabamento de manga de roupa, de maquiagem, de cor de olho. Não é manipular, mentir, é chegar onde eu quero. Outro dia me disseram: esse céu (de uma fotografia) não existe. Existe, porque é o céu que eu queria. Realidade não existe. Realidade é um pardal de rua, vai ali pra janela e fotografa. Eu quero colocar a pessoa pra pensar, refletir e sempre tento ousar em meus trabalhos.


Quais são suas fontes de inspiração para fotografar?
Basicamente tudo. Desde aqueles pintores holandeses, que tive a oportunidade de ir ver de perto, o cinema, a música, afinal toquei baixo, Black Music durante um tempo, até coisas simples como uma vitrine de sapato bem arrumada, uma janela de avião com as nuvens. Acredito que tem sempre aquele núcleo de informação no qual a gente se foca. Acho que é por aí e minha cabeça fica girando em torno disso: pintura, livros, música o tempo inteiro, basicamente Rock’n Roll e Soul Music.

"Ninguém quer ficar sentado na festa, todo mundo quer dançar, todo mundo quer gozar, todo mundo quer a pulsão sexual, todo mundo quer ser amado, ser aceito, quer aparecer."


Você desenvolveu um ensaio sobre mulheres fisiculturistas. Como surgiu essa ideia?
Primeiro porque eu gosto de mulheres. Comecei a ver que as mulheres estavam ficando fortes, e ao mesmo tempo começaram a aparecer em Copacabana e todos olhando com um olhar torto. Elas ficam desse jeito porque a maioria delas, como todos nós, quer ser aceita. Ninguém quer ficar sentado na festa, todo mundo quer dançar, todo mundo quer gozar, todo mundo quer a pulsão sexual, todo mundo quer ser amado, ser aceito, quer aparecer. A mulher que não tem certos atributos, a gordinha, feinha, magrinha demais, sente-se rejeitada. Por isso acabam recorrendo à musculação e isso se torna um vício, pois você começa a crescer, começa a querer mais e mais e mais. Umas são muito feias, mas todas tem um corpo que chama atenção. E estão todas dançando, não estão mais sentadinhas. Ao contrário disso eu vi que tinha no Brasil um preconceito grande contra elas porque as pessoas acham que elas são masculinizadas ou lésbicas. A Ana, uma das modelos, inclusive, foi agredida por homens porque pensaram que ela era travesti e quando descobriram que ela era mulher bateram mais ainda. Pra eu publicar o Fortia Femina tem que ter um editor muito bom, mas ainda não tenho. Não acho que ele esteja pronto ainda. Talvez quase pronto. Quero ver se eu chamo a Graciane, mulher do Belo, pra fotografar. Acho que é uma tendência que não vai diminuir. Acho até que é um reflexo do papel da mulher na sociedade hoje, onde ela tem que se impor mais. Se eu acho bonito ou feio, acho um corpo sarado bonito, mas muito musculoso não. Eu acho o corpo humano bonito.

Como surgiu a ideia do “Cem coisas que cem pessoas não vivem sem”?
Surgiu de um trabalho que fiz fotografando objetos e também da necessidade que vi de ter um livro meu publicado, algo que não ficasse na estante, mas que despertasse a curiosidade das pessoas. Veio então a ideia de fotografar aquilo que as pessoas não vivem sem, seus objetos. E aí fui atrás dos brasileiros primordiais que eu julgo serem três: o índio, o vaqueiro e o pescador jangadeiro. Fotografei mais de 130 pessoas, desde prostitutas até João Havelange, e fiz questão de não entrarem nem clérigos, nem advogados, nem políticos. Trabalho neste projeto desde 2005 e ainda estou em busca de alguns. Consegui agora a oportunidade de fotografar o Ariano Suassuna, uma delegada de Polícia e um jangadeiro. Já fotografei nomes como Ana Maria Braga, Gilberto Gil, Rafinha Bastos, Fernando Meirelles. Quem eu gostaria de fotografar e não consegui foi o William Bonner. Minha ideia era fotografá-lo de costas, sem camisa, não sei se ele ia topar, mas um dia eu faço essa foto.

E você, não vive sem o quê?

Não vivo sem minha motocicleta. Fotografaria junto com ela. Não gosto de carro, já tem carro demais na cidade.

 

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Jornalismo para além do conteúdo



Para o gerente de Mídias Digitais do Lance!, já não basta apurar e escrever bem; o jornalista precisa entender de gestão e planejamento

 
 
Letícia Tavares e Lucas Schuenck

 
Paulo Henrique Ferreira foi um dos participantes da mesa sobre Cobertura de Grandes Eventos, na última edição do Controversas. Ele é formado em jornalismo pela PUC de Campinas e tem mestrado em Ciências de Mídias e Novas Tecnologias. Levou para o evento uma visão empresarial sobre a produção jornalística.

Ao lado de Aydano André Motta (O Globo), Dario Leite (Record) e Fabiana Guimarães (Approach), Paulo Henrique debateu ainda o papel do jornalista na cobertura de grandes eventos e os desafios que a imprensa brasileira vai enfrentar nos próximos anos como sede da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016.
 
O jornalista vê necessidade de um novo “fazer jornalístico”, nos dias de hoje, com a produção de conteúdo de alto nível e diversificado. Tivemos a oportunidade de fazer uma breve entrevista com ele na sede do jornal Lance!, no Rio de Janeiro.

Por que você escolheu fazer Jornalismo?
Porque, como todo garoto que gosta de ler, de redação, de ciências humanas e de futebol, vi no jornalismo uma área prazerosa. Aí, quando cheguei na faculdade, vi que a realidade não era bem aquela. Vi que o jornalismo esportivo era muito limitado, era só cobertura de times, e eu morava em Campinas. Por outro lado, eu me aprofundei muito em literatura. Durante a faculdade, achava que queria ser um jornalista de Cultura. Também acabei me aprofundando em internet. Eu entrei na faculdade em 1997 e saí nos anos 2000, ou seja, estudei num mundo onde a internet era uma coisa muito nova. Eu entrei analógico e saí digital. Tive aula no primeiro ano com máquina de escrever e depois eu vi na internet uma oportunidade profissional.

Como foi este aperfeiçoamento em internet?
Foi bom que do meio pro final da faculdade eu olhei pra internet e disse: “Eu quero ser jornalista, quero trabalhar em mídia e isso aqui é o futuro”. Depois eu fiz um site na faculdade sobre Machado de Assis que ganhou um prêmio, e já fui indo para essa área. Meu TCC foi em mídias digitais e os impactos digitais em várias áreas do conhecimento. Isso foi natural, porque eu acabei saindo desse ambiente, entrei pro empreendedorismo, montei uma empresa júnior na faculdade, para eu começar a me aventurar no mercado das mídias digitais de celular.

E como foi o seu desenvolvimento na área?
Ali eu descobri que o jornalismo é mais do que o conteúdo. O conteúdo do SMS era apenas um recurso, a gente tinha que produzir outros recursos, tínhamos que ter parceiros, ir nas operadoras, conseguir o canal e a autorização para poder ter aquele produto. Eu vi que o jornalismo também era produto. Depois disso, fui fazer na USP minha dissertação sobre esse tema (notícias no celular) e isso me posicionou como jornalista mais amplo, não só de conteúdo, mas também de produto. Depois que eu dei aula na PUC, trabalhei em outras empresas nessa área, o Lance! me chamou para criar uma área desse produto. Juntei a internet e aquele desejo da infância de trabalhar com esportes e não tive dúvidas. Assim vim para onde estou hoje. 

Você acha que o jornalismo, como é hoje, precisa de alguma mudança?
Muita. Como ex-professor acho que está inadequado o ensino em relação a suportes, porque hoje o digital tem as maiores audiências. Não faz mais sentido segmentar impresso, TV, etc. Nós temos que pensar que tudo isso sofre um impacto muito grande do digital, e as coisas vão se rearranjando. Isso não é inédito, quando o telégrafo surgiu, rearranjou tudo na imprensa. Isso tá acontecendo novamente e também está interferindo no papel do jornalista que, para mim, não é mais só gerador de conteúdo. Ele também tem o papel de um agente de gestão dessa indústria.

"A mídia nunca foi tão consumida pela humanidade como é hoje, por isso não precisamos de jornalistas exclusivamente produtores de conteúdo, precisamos de gestão, pessoas que vão pensar no produto, planejamento, execução. Aumentou muito o campo de trabalho do jornalismo."

 
O que você acha que está diferente no mundo do jornalismo, para os jornalistas que ainda vão se formar?
Eu acho que o campo de atuação vai ser muito maior, com novas oportunidades de empreendimentos próprios, desde blogs até empresas maiores, que de alguma forma produzirão conteúdo. Os jornalistas dessa nova geração vão estar em uma etapa da mídia mais madura e mais desenvolvida. A mídia nunca foi tão consumida pela humanidade como é hoje, por isso não precisamos de jornalistas exclusivamente produtores de conteúdo, precisamos de gestão, pessoas que vão pensar no produto, planejamento, execução. Aumentou muito o campo de trabalho do jornalismo. O jornalismo do século XX foi uma indústria muito boa, que produziu boas coisas, mas ainda assim era uma indústria muito amadora. O jornalismo vai virar uma indústria funcional.

Antigamente jornalistas só faziam faculdade e não se interessavam muito por outras qualificações. Você acha que os jornalistas do futuro vão precisar de mais qualificação?
Muito mais. Não só cursos de produção de jornalismo, como cursos de gestão. Nós precisamos pensar em outras formas de fazer jornalismo. Temos uma indústria muito profissional e precisamos de gente interessada nesse novo jornalismo. O melhor caminho são os cursos de Jornalismo, Estudos de Mídia e Publicidade.

No Controversas você falou sobre o legado da Copa do Mundo de 2014. Como é possível herdar um bom legado desse evento?
O jornalismo deve cobrar propostas concretas quanto a esse legado. As autoridades e os órgãos competentes devem ter uma maior fiscalização, e o mais importante é que do lado do planejamento de gestão, o país e a mídia devem aproveitar esses grandes eventos para melhorar nossas estruturas. Devemos trabalhar de forma menos amadora, planejar melhor, executar melhor, ser mais exigentes. No caso do jornalismo, não é só com o texto que devemos nos preocupar, temos que pensar também no design, na reação do público frente ao produto, na forma como esse produto é distribuído, tudo aquilo que você já vê no mercado americano. Se você analisar um produto estadunidense digital, você vê que tem outra qualidade. Um jogo, um site, um CD, a música. O jornalismo tem que se apropriar disso, e isso passa por planejamento e execução.

Então você acredita que ocorrerão grandes mudanças em relação ao jornalismo e à mídia após esses grandes eventos?
Eu espero que sim. Tenho trabalhado para isso. Mas acho que uma empresa jornalística reflete um pouco a sociedade, tanto em forma quanto em conteúdo. Se a sociedade não levar muito a sério (os grandes eventos), acho que as empresas também acabarão não levando. As empresas são parte da sociedade, elas não são isoladas. Por isso o jornalismo teria que, como componente ideológico, ser um guardião dessa seriedade. O jornal tem a oportunidade de ser o porta-voz desse progresso.
 
 
"No caso do jornalismo, não é só com o texto que devemos nos preocupar, temos que pensar também no design, na reação do público frente ao produto, na forma como esse produto é distribuído, tudo aquilo que você já vê no mercado americano."
 
No Controversas, você chamou atenção quando falou sobre os direitos e as réplicas nos quais as coberturas acabam se baseando. No Brasil, são basicamente as mesmas emissoras e jornais que produzem, as outras só copiam. Você acha que existe espaço, com esses grandes eventos que estão por vir, para todos os meios produzirem conteúdo de qualidade e originais?
Tem muito espaço. Os eventos, que acabam se concentrando na mão da Globo e da Record, são apenas 50% da notícia, existem os outros 50%. Existem as partes política, econômica, esportiva... Por exemplo, o Lance! têm a obrigação de trazer para o público não só informações técnicas, mas a história dos principais atletas, dos países das Olimpíadas etc. Como o Brasil vai virar uma potência Olímpica? Como ganharemos mais medalhas nas Olimpíadas? Temos muito conteúdo a ser explorado. O problema é que hoje a indústria de jornalismo é pobre, porque faltam modelos de qualidade, e acontece esse fenômeno no qual poucas fontes geram a notícia e outras repercutem, principalmente jornais do interior e jornais menores. Espero que os novos meios de comunicação sejam criados em um novo patamar de qualidade e consciência. Nós não precisamos ter medo, temos que ter coragem.
 
"Como o Brasil vai virar uma potência Olímpica? Como ganharemos mais medalhas nas Olimpíadas? Temos muito conteúdo a ser explorado. O problema é que hoje a indústria de jornalismo é pobre, porque faltam modelos de qualidade"
 

domingo, 23 de junho de 2013

Jornalismo, o caminho natural de Francisco Regueira



O repórter do Fantástico fala sobre a escolha da carreira e conta os bastidores de suas principais reportagens


Natália Nunes e Nathália Larghi‏

Há cinco anos como repórter investigativo do Fantástico, Francisco Regueira, de 31 anos, já pode se considerar um jornalista bem-sucedido. Com passagem pelos principais telejornais da Rede Globo, Chico coleciona reportagens e prêmios de um veterano. Mesmo com pneumonia, Chico não só topou conversar conosco, como nos deu detalhes dos bastidores de algumas de suas mais importantes matérias, durante uma conversa com clima informal que durou mais de uma hora. Falante e bem-humorado, o jornalista já chegou nos contando sobre uma matéria com a blogueira cubana Yoani Sánchez, quando esteve no Brasil.

Ele começou na profissão com apenas 15 anos, antes mesmo de entrar para a faculdade, e nunca mais parou. Essa personalidade, unida à vocação jornalística, parece uma boa pista para explicar porque ele já venceu três vezes o prêmio nacional de jornalismo da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e duas vezes o prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo.

Como e por que você escolheu o jornalismo?
Eu comecei a trabalhar muito cedo, não tive aquela dúvida pré-vestibular de “será que faço jornalismo, arquitetura, engenharia, mecatrônica ou medicina?” Do lado da minha escola lá em Belo Horizonte tinha uma favela e lá uma rádio. Um dia, eu fui fazer um trabalho do colégio sobre a favela e conheci essa rádio. Achei muito bacana e participei de uns programas. Até que fui convidado para fazer um programa sábado à tarde. Aceitei e então comecei a trabalhar, com 15 anos. Aconteceu a mesma coisa com um canal de tevê a cabo de Belo Horizonte. Fui convidado para fazer um programa de entrevistas e trabalhei lá até 17 anos. Prestei vestibular e era óbvio que eu ia fazer Comunicação. Então jornalismo não foi uma escolha, foi um caminho natural.

Quando você começou a trabalhar na TV Globo, você já sabia que queria trabalhar na tevê ou você migrou por outros veículos?
Apesar de a vida inteira eu ter trabalhado na televisão, com essa curtíssima passagem pela rádio, a tevê foi algo natural. Eu estudei na Universidade Federal Fluminense (UFF) e logo no primeiro período soube de uma vaga de estágio não remunerado na CNT, e eu fui trabalhar lá assim mesmo. Então, sempre foi televisão. Simplesmente aconteceu.

Como foi seu caminho dentro da TV Globo?
Eu fiz o processo do Estagiar (programa de estágio da Rede Globo) e fui trabalhar na editoria Rio do RJTV 1ª Edição. Fui contratado e continuei trabalhando no programa. Depois fui pro Jornal da Globo, onde comecei a ter mais autonomia, a fazer as matérias sozinho. Eu estava recém-formado. Na Rede Globo são muitos telejornais, então à medida que você vai tendo ideias, você vai para outros programas. E foi assim que eu fui fazendo meu caminho. Objetivamente, eu migrava de um programa para outro. Eu era fixo na editoria Rio, mas a partir de pautas e ideias, eu ia para outros programas. Até parar no Fantástico.

Como você enveredou pelo jornalismo investigativo?
No caminho profissional você vai desenvolvendo um encantamento por alguns assuntos, que no meu caso, são mais ardilosos, instigantes, perigosos e difíceis. No jornalismo você não é pré-disposto a algo, simplesmente acontece.

Você que introduziu a cobertura do Carnaval de rua do Rio de Janeiro na TV Globo. De onde surgiu essa ideia?
Entre 2006 e 2007, o Carnaval de rua cresceu bastante no Rio. Eu percebi que, na editoria Rio, a cobertura era muito restrita ao Sambódromo e ao desfile das escolas de samba, que é a cobertura oficial. E isso me chamava muito atenção, porque ao mesmo tempo em que a gente noticiava o desfile, eu ia para rua e me divertia muito. Eu falei com o diretor de jornalismo, o Renato Ribeiro. Ele gostou da ideia, então eu fiz um projeto para a cobertura e nós abraçamos esse fenômeno.

Você fez a reportagem "Rodovia do Medo" (vencedora do prêmio nacional de jornalismo da Confederação Nacional de Transportes e do Prêmio Tim Lopes de Jornalismo, em 2008). Como foi fazer esta reportagem?
Essa matéria foi facílima. Eu tinha uma fonte em Brasília, que era de uma empresa de ônibus, que fazia o percurso Brasília - São Paulo. O dono botou câmeras de seguranças nos veículos, então gravou assaltos que aconteciam dentro dos ônibus. Ele me contou, mostrou as imagens e eu resolvi fazer a viagem para realizar a matéria. Então eu saí daqui do Rio em direção a Brasília numa quarta-feira de manhã. Com uma camerazinha na mão, eu embarquei para realizar o trajeto. Cheguei a São Paulo quinta na hora do almoço, dormi, e na sexta voltei para o Distrito Federal. Cheguei, voltei para o Rio e editei a matéria. O objetivo da reportagem era mostrar como as pessoas que circulam por aquela estrada percebiam o percurso, uma vez que a rodovia liga a capital do país à cidade economicamente mais importante, e era a estrada mais perigosa do Brasil naquela época, em 2008.

Em algum momento alguma autoridade ou alguém tentou interferir?
Foi tranquilo. Autoridade não interfere não. Depois eu entrevistei a Polícia Rodoviária, mas a título de cobrança, para saber porque essa estrada, que é tão importante, está abandonada. Mas não houve interferência nessa ou em alguma outra. Nunca teve.

Por causa da reportagem da "Máfia dos Táxis" (vencedora do prêmio nacional de jornalismo da Confederação Nacional de Transportes, em 2010) você passou um tempo fora da cidade. Como foi a elaboração e lidar com os milicianos?
A ideia surgiu do seguinte: era 2010, eu estava um mês fora do Rio gravando uma matéria sobre pirataria. Eu estava em um hotel fora do país com o Alberto Fernandes, repórter cinematográfico, e vi noticiando em um jornal estrangeiro que um taxista tinha sido espancado no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Quinze dias depois, a gente volta pro Rio e, como não havia carro para nos buscar, pegamos um táxi. Na conversa dentro do táxi, eu falei "você viu o espancamento do taxista aqui no Galeão? Que covardia que fizeram com ele...". O taxista, no entanto, não achou uma covardia e defendeu a posição dos taxistas, dizendo que o cara que apanhou que era o errado, porque estava no lugar errado e tinha feito coisa errada. Eu cheguei à emissora e disse que ia virar taxista no Rio de Janeiro para fazer essa matéria. Eu tirei a licença com a prefeitura, aluguei um carro e virei taxista por mais ou menos um mês. Então eu narrava o que me acontecia, para mostrar justamente como funciona esse mercado da rua, quem domina, quem são os verdadeiros donos da rua. Eu sabia de pontos que era controlados e explorados capitalistamente por autoridades e policiais, mas eu não sabia se eu ia conseguir mostrar. No entanto, não foi muito difícil. Todo o processo durou cerca de três meses.

O tráfico de seres humanos foi abordado na novela "Salve Jorge". Mas você levantou o tema em 2008. Você conduziu, para noticiar, uma negociação de uma menina da mão da própria mãe na reportagem “Meninas do Brasil” (vencedora do Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo e indicada ao Emmy Awards, em 2008) Como foi essa negociação? Deve ser doloroso pensar que alguém pode colocar um preço no filho.
Foi uma das coisas mais chocantes que eu já vi. Eu e o Beto (Alberto Ferreira) ficamos na Ilha do Marajó, entre idas e vindas para Belém e Rio, uns três, quatro meses. Em Portel, nós ficamos um mês. É muito triste. O pior de tudo era constatar que aquela mãe vendendo a filha não era um fenômeno cruel, ela não enxergava assim. Quando você conversa com uma mãe que bota a filha à venda, o sangue esquenta e você tem que se controlar para segurar o cidadão e manter o repórter. O sentimento de indignação e impotência é muito grande.

Como atuam os intermediários desse mercado?
Quando a gente chegou à cidade, éramos claramente forasteiros. Então a gente chegou, deixou a mala na pensão e, então, fomos andar. Em dez minutos um rapaz abordou a gente, perguntando se queríamos mulheres ou meninas. Eles falavam assim: "me digam que eu vou falar com a porca (mães). Eu não negocio com as porquinhas (filhas)". Na época em que eu estive lá aquilo era socialmente estabelecido.

Você teve contato direto com a mãe?
Vários. Era mais difícil chegar lá, porque Portel está a 60 horas de barco de Belém, e é o único meio de chegar – barco ou avião – então é mais difícil chegar do que receber propostas de sair com uma menor prostituída pela mãe. Naquela época, porque hoje eu sei que a história mudou lá.

Depois da reportagem qual foi a repercussão e o que mudou?
Depois que a gente colocou esse assunto no ar isso deu muita repercussão. E é um lugar muito longe, é um lugar onde a autoridade pública não chega, não tem nada. Depois que a gente veiculou essa matéria houve uma Força Tarefa do governo do estado do Pará com a Polícia Federal e o Juizado de Menores, que foram para aquela região como um todo. Eles começaram a olhar esse assunto com muita atenção. E fizeram da Ilha do Marajó um polo modelo contra a prostituição infantil. Um ano depois, eu tentei voltar pra fazer a matéria e a situação era essa, no segundo ano também, isso em 2011. Ano passado eu não monitorei, mas até 2011 a realidade tinha sido transformada e eu fiquei muito feliz.

Deve ser gratificante, pois a reportagem foi a engrenagem para isso.
É, porque ninguém nunca tinha olhado pra lá...

No fim de tudo, quem dos que haviam negociado com você foram presos?
Todos foram presos, mãe e aliciadores. Depois, fizeram uma CPI e foram presos juiz, vice-prefeito, presidente da Câmara dos Vereadores. Metade da cidade foi presa depois da matéria. Foram vendo que haviam muitos envolvidos. Porque ninguém vende uma menina sem o conhecimento de alguém.

A menina tinha quantos anos?
Tinha treze ou catorze recém-completos. Eu não queria mostrar ninguém que fosse muito menor de idade porque achava que seria muito chocante. Mas meu limite era catorze anos porque é o limite de idade que os cidadãos são protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Você fez a cobertura da tragédia do Morro do Bumba. Como foi essa reportagem?
Foi punk. Eu acabei caindo por coincidência no Morro do Bumba. Houve uma chuva gigantesca no Rio de Janeiro e eu morava no Horto, no Jardim Botânico, e ia a pé para a tevê. Acordei cedo com a chuva, 6h30, liguei a televisão e estava o (Marcos) Uchôa no Bom Dia Rio mostrando um rio, literalmente. Fiquei chocado com o que vi no caminho de casa para a tevê, que é menos de um quilômetro. Árvore caída para tudo que é lado. Quando eu cheguei à redação, só estavam lá os que eram vizinhos da tevê. As pessoas que moravam no Leblon, na Lagoa, na Gávea não conseguiam chegar. Nós não tínhamos muita notícia ainda e sei que até 9h30 da manhã tinham quatro desaparecidos. De repente, o número foi atualizado para 40 e às 10h já eram 48. Só ia aumentando o número de desaparecidos.

Como você entrou na cobertura?
Eu peguei uma equipe, um cinegrafista e um operador, e saí. O Cadu (Carlos Eduardo Salgueiro), que era chefe de reportagem, ainda me disse: “mas o que nós vamos fazer para o Fantástico, ainda é terça-feira...”. E falei: “não sei, mas vamos pra rua”, sou da teoria que a notícia tá na rua. Fui para o quartel central dos bombeiros para ver onde o trabalho deles estava mais intenso. Eu expliquei que estava fazendo uma matéria, só que, é claro, em todos os lugares onde eu chegava já havia equipes de jornalistas, e eu não queria ficar onde todo mundo estava, eu queria ficar onde não tinha ninguém, para contar uma história que ninguém contou.

Como conseguiu essa exclusividade?
Eu falei que queria acompanhar o trabalho dos bombeiros, ver como eles estavam trabalhando e pedi autorização. Fui para o quartel do Fonseca, em Niterói, e comecei a acompanhar uma saída atrás da outra. Chegamos às 3h da tarde e, quando deu 5h da manhã, a gente ainda estava lá, depois de ter visto muita coisa feia, muita gente morta. Até que chegou um chamado para resgatar algumas pessoas soterradas que pareciam estar com vida, perguntaram se queríamos ir. É claro que queríamos. Entrei no carro dos bombeiros e fui até o Morro do Bumba, passamos o dia lá. Até que a noite caiu e estava chovendo demais, o comandante dos bombeiros disse que estava perigoso e que era melhor a gente ir embora. Só que a gente desceu umas 7h30, foi o tempo de passar no McDonald’s e pegar um “sanduba” que o rádio do carro deles tocou e falaram da tragédia. Aí a gente voltou com eles, chegamos lá e estava tudo caído. A gente subiu com os bombeiros. Aí vem até uma crítica a eles, mesmo sendo heróicos e tal, mas eles não tinham luz de resgate, então você imagina, aquilo era um breu, e o que serviu pra iluminar lá em cima era a luz da câmera do Lucas, nosso cinegrafista.

Vocês ajudaram os bombeiros?
A luz de salvamento foi a nossa luz. A gente lá em cima trabalhando, andando de um lado pra o outro e muita gente do morro vinha falar comigo, eu não entendia o porquê. Demorei a entender que estávamos no mesmo lugar onde tínhamos passado o dia. Quando descobri que aquilo era o Morro do Bumba tomei um choque. Eu percebi que as pessoas com quem eu havia passado o dia estavam ali, eu estava pisando no chão onde elas estavam soterradas. Foram vinte minutos de choque. Foi o tempo para eu me recompor e seguir a reportagem. Foi uma coisa tão louca, indescritível...

Há um tempo, no próprio Controversas, alguns repórteres que também cobriram essa e outras tragédias estavam presentes e levantou-se uma questão da maneira como os repórteres abordam as famílias das vítimas de grandes tragédias como essa. Qual a sua posição nesse debate e como você costuma abordar as pessoas de modo que elas não se sintam invadidas, ou seja, de uma forma mais sutil em meio ao caos?
Não tem muita ciência pra isso. Cada caso é um caso. O que aconteceu no Morro do Bumba foi o seguinte, aquilo era uma comunidade pequena e como eu passei o dia inteiro lá antes do morro cair, eu conheci todo mundo. Eu cheguei às 9h da manhã e saí às 7h30 da noite e eu não sou um cara calado, eu falo com todo mundo. Então aconteceu uma coisa muito curiosa, que como eu tinha ido lá antes, a impressão que eu tive foi que para os moradores de lá eu virei uma referência, eu era aquele cara que tinha ido lá antes de tudo acontecer. Eu cobri as duas chuvas de Teresópolis e ali a situação foi outra. Não tem muita ciência, você tem que ter bom senso e sensibilidade para não extrapolar o limite da privacidade, da dor e também conseguir fazer o seu trabalho.

E em situações como essa no Morro do Bumba, por exemplo, os jornalistas procuram ou têm meios de ajudar o trabalho dos bombeiros ou são mais úteis ficando à distância?
Não, geralmente ficamos à distância. Nesse caso a gente participou indiretamente porque, por acaso, nossa luz da câmera ajudou os bombeiros.

Você tem alguma reportagem que é sua preferida? Que o fez pensar “Essa foi minha grande reportagem”?
Sempre a próxima (risos).

No início da nossa conversa você disse que estava fazendo uma reportagem com a Yoani Sánchez. Você a entrevistou?
Eu passei a semana passada inteira com ela, eu a acompanhei na viagem. Passei a semana com uma câmera pequenininha fazendo uma reportagem sobre o olhar dela pro Brasil, como ela percebeu o país. É a Yoani na intimidade, eu estou com ela em todos os lugares antes e depois de ela passar por aquilo tudo que foi notícia durante a semana.

E o seu olhar sobre ela?
Ah, eu achei ela muito “porreta”. Isso dá repercussão porque tem um monte de gente que critica. Mas eu a achei uma mulher admirável e muito corajosa, e acreditei na causa dela de liberdade pra Cuba. E ela segurou esse rojão de estar comigo o tempo todo do lado gravando e em momento nenhum fugiu de pergunta ou se contradisse. Eu fiquei com uma ótima impressão de Yoani Sánchez.

Você já tinha feito alguma matéria como essa ou foi a primeira vez?
Eu gosto muito de fazer essas matérias que eu chamo de “diário da vida real”. Eu não faço sempre, mas já fiz algumas.

Com quem, por exemplo?
Eu fiz uma que me marcou muito. Foi com um lixeiro que trabalha no Centro do Rio e era autodidata em piano erudito. Na hora do almoço, ele comia a marmitinha dele, depois ia ao Centro Cultural, se sentava no piano e começava a tocar. Tocava uma hora, depois pegava a vassourinha dele e ia de novo varrer.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

A jornalista que cedo madruga



A ex-aluna Nathalia Vianna, editora do Bom Dia Brasil, conta sua rotina no programa, que começa às 5h da manhã, e avalia sua formação 


Priscila Peres Mondo

Nathalia Vianna, 25 anos, formada na UFF em 2011, é editora do Bom Dia Brasil e conta nesta entrevista um pouco de sua trajetória acadêmica e profissional, suas experiências e sua rotina de trabalho.  A jornalista me recebeu nos estúdios da TV Globo, no Jardim Botânico, onde, além do Bom Dia Brasil, também são gravados Globo Esporte, Jornal Nacional e Globo Repórter.

Em um ambiente que exige responsabilidade e seriedade, ela me apresentou os estúdios e ilhas de edição, não deixando de exibir simpatia pelos corredores. Cruzar com Marcio Gomes, Rodrigo Pimentel e outras figuras conhecidas que fazem parte do nosso dia a dia, inevitavelmente formou um sorriso bobo de canto de boca em uma estudante de jornalismo que pisava ali pela primeira vez.

Com um dia que começa às 5h de manhã na edição, Nathalia falou do dinâmico cotidiano nos bastidores do programa, que se divide em três etapas. A primeira consiste no fechamento na edição, processo que dura até às 7h30min, com o início do jornal. É o momento em que o profissional olha o espelho, se mantém atualizado sobre o que está acontecendo e finaliza o jornal até a hora de ir ao ar.

“É muito importante acompanhar os outros jornais, tanto impressos quanto de internet e TV. Assistindo ao JN, por exemplo, você sabe o que já é notícia, o que já se esgotou e o que não vai se esgotar. O grande desafio do Bom dia Brasil é sempre ir além, mesmo sendo tão cedo. Um desafio, visto que de manhã é mais difícil apurar os fatos, além de atuarmos com uma equipe mais reduzida”, explicou.

A segunda etapa refere-se ao jornal propriamente dito, enquanto está no ar. A terceira ocorre ao término da edição, quando editores do Rio se reúnem. Em uma sala localizada abaixo do estúdio do Jornal Nacional, discutem a pauta da edição seguinte, junto com as sucursais de São Paulo, Minas Gerais, Recife e Brasília. Decididas as pautas, o editor-chefe monta, então, o espelho.

“É muito importante acompanhar os outros jornais, tanto impressos quanto de internet e TV. Assistindo ao JN, por exemplo, você sabe o que já é notícia, o que já se esgotou e o que não vai se esgotar. O grande desafio do Bom dia Brasil é sempre ir além, mesmo sendo tão cedo. Um desafio, visto que de manhã é mais difícil apurar os fatos, além de atuarmos com uma equipe mais reduzida”


Em um jornal ao vivo, onde não se pode errar, Nathalia ressalta a importância da habilidade e do feeling do profissional em saber seguir e coordenar o roteiro que foi estabelecido, sem descartar o fator sorte: “É um misto de sorte, do repórter do outro lado, e da habilidade do coordenador. Não tem fórmula, também não é uma arte, mas é algo que vem da experiência e do feeling do profissional”, definiu.  

Nathalia iniciou sua carreira na TV Globo através do programa Estagiar, e desde então lutou para conquistar seu espaço e ganhar reconhecimento. “Eu sou muito coringa, porque durante o meu estágio acabei assumindo esse perfil. Achava que tinha que aprender de tudo e foi o que fiz. No começo é muita informação, você fica um pouco assustada, mas é normal, com o tempo você vai ganhando experiência, vai descobrindo qual o seu perfil. Aos poucos, fui descobrindo o que eu fazia melhor e em que o jornal precisava de mim. Meu próprio chefe, numa reunião, disse que o meu desafio era provar onde o jornal precisava de mim. E assim, eu fui galgando um espaço. Foi algo muito guerreiro, tem que correr muito atrás. Aqui tem espaço para todos os tipos de talento, só que é preciso ter iniciativa, correr atrás”, refletiu a jornalista. 

Como você vê o mercado de trabalho em TV para os estudantes que estão iniciando a procura por estágio, há espaço?
Pela TV Globo eu digo que tem, a Globo está sempre crescendo. O jornalismo na emissora agora está em um excelente momento. Hoje nosso ex-diretor de jornalismo, o (Carlos Henrique) Schroder, é o diretor Geral, algo muito positivo para o jornalismo. Ele veio da redação, e entende muito bem os processos técnicos envolvidos. O crescimento de emissoras concorrentes também faz estimular o mercado. Aqui na TV Globo, principalmente por conta de Copa e Olimpíadas, também vai aumentar o quadro, tem sempre gente nova entrando. O programa de estágio é bem bacana, é um processo que se consolida, tem realmente como intuito aproveitar o estagiário.

E você mesma é um exemplo disso, conseguindo chegar à posição atual iniciando a carreira como estagiária da casa.
Sim, e meu próprio chefe o Miguel (Athayde, diretor regional de Jornalismo da Editoria Rio) e também o Schroder começaram como estagiários.

Sobre o seu intercâmbio de seis meses no exterior, na Universidade Carlos III, de Madrid, o que você diria que valeu mais, a experiência cultural ou o curso em si?
Acho justo dizer que foi uma boa parcela dos dois. O ganho pessoal, não tem como medir. Os desafios que você enfrenta dependem de pessoa para pessoa. Eu sempre fui independente e descolada, mas apesar de saber falar espanhol, enfrentei dificuldades com a língua, por conta do sotaque, além de problemas financeiros por conta de um erro na minha conta do banco. Mas, eu também tive uma aula em particular, Jornalismo Internacional, que foi fantástica, com um professor que havia sido correspondente de guerra. Tive uma experiência acadêmica muito boa, muito feliz. Mas depende muito da pessoa em correr atrás e aproveitar o curso.

Como foi sua experiência em Israel, para fazer seu Trabalho de Conclusão de Curso sobre a experiência profissional de correspondentes internacionais em Jerusalém?
Foi uma experiência muito rica, eu já havia viajado durante o intercâmbio. Estive no Marrocos e lá tive contato com a religião islâmica, então não foi tão chocante, mas é um mundo completamente à parte. Israel é lugar muito seguro, o que me proporcionou fazer um paralelo com o Brasil, da visão que nós temos de lá e o que Israel realmente é, além da visão que eles têm daqui e o que o Brasil realmente é. Isto acontece porque só interessam jornalisticamente os fatos relevantes, que podem afetar sua vida, então o que vemos desses lugares são sempre notícias, normalmente ruins.

Sobre o curso de comunicação da UFF, você acha que faltou alguma coisa? Algum ponto poderia ser aprimorado para preparar melhor os alunos para o mercado de trabalho?
O curso da UFF é muito bom e tem um diferencial em relação a outras faculdades. Algumas possuem um currículo mais prático, mas o prático se aprende aqui, trabalhando. Vale muito mais a pena ter duas economias, duas lingüísticas, ter história. As outras também têm, mas nós temos mais, e isso é muito importante. Claro que aprimorar é sempre importante. Mas, dentro do possível, é um curso muito bom. Tem professores comprometidos, está dentro da realidade, não é algo mercenário. Também tive muita sorte de ter feito parte de uma turma que foi muito elogiada, no geral também muito compromissada, e isso estimulava as pessoas.

Você acha que o aluno da UFF é bem visto?
Aqui o estudante de Jornalismo da UFF é muito bem visto. Principalmente por uma coisa que, inclusive, me destacou na minha entrevista de estágio: ele é conhecido, em geral, por ser guerreiro, por estudar mais, o que mostra interesse. E o aluno tem base, tem conteúdo. Gosto muito da UFF, devo muito à UFF, é uma ótima instituição. Quem fizer direito e seguir o curso a sério, vai se dar bem. A UFF se preocupa com o aluno, os professores se preocupam. Você não fica largado, abandonado. A Sylvia (Moretzsohn), o (Guilherme) Nery, o Marco (Schneider), a Larissa (Morais), se importam com o aluno, com cada um, isso é muito legal, as pessoas precisam valorizar. É uma faculdade comprometida. O jornalismo na UFF é sucesso!

Qual a sensação de voltar à Universidade para contar as suas experiências àqueles que estão começando a trilhar o próprio caminho?
Fiquei muito contente, é uma honra, um elogio muito grande. E pensei que eu gostaria de ter tido isso quando estava na faculdade. Se o feedback no trabalho é importante, o feedback acadêmico também é.  O que acho muito legal nesse projeto é que ele funciona justamente como um retorno, um estímulo aos alunos. É importante para acreditarem em vocês, porque, de verdade, depende de vocês.