Para o gerente de Mídias Digitais do Lance!, já não basta apurar e escrever bem; o jornalista precisa entender de gestão e planejamento
Letícia Tavares
e Lucas Schuenck
Paulo Henrique Ferreira foi um dos participantes da mesa
sobre Cobertura de Grandes Eventos, na última edição do Controversas. Ele é
formado em jornalismo pela PUC de Campinas e tem mestrado em Ciências de Mídias
e Novas Tecnologias. Levou para o evento uma visão empresarial sobre a produção
jornalística.
Ao lado de Aydano André Motta (O Globo), Dario Leite (Record) e Fabiana Guimarães (Approach), Paulo Henrique debateu ainda o papel do jornalista na cobertura de grandes eventos e os desafios que a imprensa brasileira vai enfrentar nos próximos anos como sede da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016.
O jornalista vê necessidade de um novo “fazer jornalístico”,
nos dias de hoje, com a produção de conteúdo de alto nível e diversificado. Tivemos
a oportunidade de fazer uma breve entrevista com ele na sede do jornal Lance!,
no Rio de Janeiro.
Por que você escolheu fazer Jornalismo?
Porque, como todo garoto que gosta de ler, de redação, de
ciências humanas e de futebol, vi no jornalismo uma área prazerosa. Aí, quando
cheguei na faculdade, vi que a realidade não era bem aquela. Vi que o
jornalismo esportivo era muito limitado, era só cobertura de times, e eu morava
em Campinas. Por outro lado, eu me aprofundei muito em literatura. Durante a faculdade,
achava que queria ser um jornalista de Cultura. Também acabei me aprofundando
em internet. Eu entrei na faculdade em 1997 e saí nos anos 2000, ou seja,
estudei num mundo onde a internet era uma coisa muito nova. Eu entrei analógico
e saí digital. Tive aula no primeiro ano com máquina de escrever e depois eu vi
na internet uma oportunidade profissional.
Como foi este
aperfeiçoamento em internet?
Foi bom que do meio pro final da faculdade eu olhei pra
internet e disse: “Eu quero ser jornalista, quero trabalhar em mídia e isso
aqui é o futuro”. Depois eu fiz um site na faculdade sobre Machado de Assis que
ganhou um prêmio, e já fui indo para essa área. Meu TCC foi em mídias digitais
e os impactos digitais em várias áreas do conhecimento. Isso foi natural,
porque eu acabei saindo desse ambiente, entrei pro empreendedorismo, montei uma
empresa júnior na faculdade, para eu começar a me aventurar no mercado das
mídias digitais de celular.
E como foi o seu
desenvolvimento na área?
Ali eu descobri que o jornalismo é mais do que o conteúdo. O
conteúdo do SMS era apenas um recurso, a gente tinha que produzir outros
recursos, tínhamos que ter parceiros, ir nas operadoras, conseguir o canal e a
autorização para poder ter aquele produto. Eu vi que o jornalismo também era
produto. Depois disso, fui fazer na USP minha dissertação sobre esse tema
(notícias no celular) e isso me posicionou como jornalista mais amplo, não só
de conteúdo, mas também de produto. Depois que eu dei aula na PUC, trabalhei em
outras empresas nessa área, o Lance! me chamou para criar uma área desse
produto. Juntei a internet e aquele desejo da infância de trabalhar com
esportes e não tive dúvidas. Assim vim para onde estou hoje.
Você acha que o
jornalismo, como é hoje, precisa de alguma mudança?
Muita. Como ex-professor acho que está inadequado o ensino em
relação a suportes, porque hoje o digital tem as maiores audiências. Não faz
mais sentido segmentar impresso, TV, etc. Nós temos que pensar que tudo isso
sofre um impacto muito grande do digital, e as coisas vão se rearranjando. Isso
não é inédito, quando o telégrafo surgiu, rearranjou tudo na imprensa. Isso tá
acontecendo novamente e também está interferindo no papel do jornalista que,
para mim, não é mais só gerador de conteúdo. Ele também tem o papel de um
agente de gestão dessa indústria.
"A
mídia nunca foi tão consumida pela humanidade como é hoje, por isso não
precisamos de jornalistas exclusivamente produtores de conteúdo, precisamos de
gestão, pessoas que vão pensar no produto, planejamento, execução. Aumentou
muito o campo de trabalho do jornalismo."
O que você acha que
está diferente no mundo do jornalismo, para os jornalistas que ainda vão se
formar?
Eu acho que o campo de atuação vai ser muito maior, com novas
oportunidades de empreendimentos próprios, desde blogs até empresas maiores,
que de alguma forma produzirão conteúdo. Os jornalistas dessa nova geração vão
estar em uma etapa da mídia mais madura e mais desenvolvida. A mídia nunca foi
tão consumida pela humanidade como é hoje, por isso não precisamos de
jornalistas exclusivamente produtores de conteúdo, precisamos de gestão,
pessoas que vão pensar no produto, planejamento, execução. Aumentou muito o
campo de trabalho do jornalismo. O jornalismo do século XX foi uma indústria
muito boa, que produziu boas coisas, mas ainda assim era uma indústria muito
amadora. O jornalismo vai virar uma indústria funcional.
Antigamente jornalistas
só faziam faculdade e não se interessavam muito por outras qualificações. Você
acha que os jornalistas do futuro vão precisar de mais qualificação?
Muito mais. Não só cursos de produção de jornalismo, como
cursos de gestão. Nós precisamos pensar em outras formas de fazer jornalismo. Temos
uma indústria muito profissional e precisamos de gente interessada nesse novo
jornalismo. O melhor caminho são os cursos de Jornalismo, Estudos de Mídia e Publicidade.
No Controversas você
falou sobre o legado da Copa do Mundo de 2014. Como é possível herdar um bom
legado desse evento?
O jornalismo deve cobrar propostas concretas quanto a esse
legado. As autoridades e os órgãos competentes devem ter uma maior fiscalização,
e o mais importante é que do lado do planejamento de gestão, o país e a mídia
devem aproveitar esses grandes eventos para melhorar nossas estruturas. Devemos
trabalhar de forma menos amadora, planejar melhor, executar melhor, ser mais
exigentes. No caso do jornalismo, não é só com o texto que devemos nos
preocupar, temos que pensar também no design, na reação do público frente ao
produto, na forma como esse produto é distribuído, tudo aquilo que você já vê
no mercado americano. Se você analisar um produto estadunidense digital, você
vê que tem outra qualidade. Um jogo, um site, um CD, a música. O jornalismo tem
que se apropriar disso, e isso passa por planejamento e execução.
Então você acredita que
ocorrerão grandes mudanças em relação ao jornalismo e à mídia após esses
grandes eventos?
Eu espero que sim. Tenho trabalhado para isso. Mas acho que
uma empresa jornalística reflete um pouco a sociedade, tanto em forma quanto em
conteúdo. Se a sociedade não levar muito a sério (os grandes eventos), acho que
as empresas também acabarão não levando. As empresas são parte da sociedade,
elas não são isoladas. Por isso o jornalismo teria que, como componente
ideológico, ser um guardião dessa seriedade. O jornal tem a oportunidade de ser
o porta-voz desse progresso.
"No
caso do jornalismo, não é só com o texto que devemos nos preocupar, temos que
pensar também no design, na reação do público frente ao produto, na forma como
esse produto é distribuído, tudo aquilo que você já vê no mercado americano."
No Controversas, você chamou
atenção quando falou sobre os direitos e as réplicas nos quais as coberturas
acabam se baseando. No Brasil, são basicamente as mesmas emissoras e jornais
que produzem, as outras só copiam. Você acha que existe espaço, com esses
grandes eventos que estão por vir, para todos os meios produzirem conteúdo de
qualidade e originais?
Tem muito espaço. Os eventos, que acabam se concentrando na
mão da Globo e da Record, são apenas 50% da notícia, existem os outros 50%.
Existem as partes política, econômica, esportiva... Por exemplo, o Lance! têm a
obrigação de trazer para o público não só informações técnicas, mas a história
dos principais atletas, dos países das Olimpíadas etc. Como o Brasil vai virar
uma potência Olímpica? Como ganharemos mais medalhas nas Olimpíadas? Temos
muito conteúdo a ser explorado. O problema é que hoje a indústria de jornalismo
é pobre, porque faltam modelos de qualidade, e acontece esse fenômeno no qual
poucas fontes geram a notícia e outras repercutem, principalmente jornais do
interior e jornais menores. Espero que os novos meios de comunicação sejam
criados em um novo patamar de qualidade e consciência. Nós não precisamos ter
medo, temos que ter coragem.
"Como
o Brasil vai virar uma potência Olímpica? Como ganharemos mais medalhas nas
Olimpíadas? Temos muito conteúdo a ser explorado. O problema é que hoje a
indústria de jornalismo é pobre, porque faltam modelos de qualidade"