Jackeline Chagas e Natasha
Dias
A conversa
com o jornalista Plínio Fraga, de 45 anos, começou com um desabafo: “Vida de
jornalista é uma correria só. Achei que fosse conseguir escrever meu livro e
continuar trabalhando no O Globo, mas
cheguei à conclusão de que não vai dar”, disse, dias antes de deixar o jornal
para dedicar-se à escrita da vida de Tancredo Neves, em fevereiro deste ano. Antes
do O Globo, onde trabalhou no último
ano, passou pela revista Piauí, pelos
jornais Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil, ora na Política, ora
na Cultura.
Ele contou o começo de sua carreira, ainda no tempo da máquina de escrever; falou sobre as dificuldades que enfrentou – como as ocasiões em que precisou bater de casa em casa pedindo que lhe emprestassem um telefone para mandar matérias para a redação – e destacou a diferença de se escrever para uma revista e para um jornal. As dificuldades não abalaram seu amor pela profissão: “Eu sempre quis fazer jornalismo, nunca imaginei fazer outra coisa”, afirmou o convidado da mesa sobre Jornalismo Literário do último Controversas.
Ele contou o começo de sua carreira, ainda no tempo da máquina de escrever; falou sobre as dificuldades que enfrentou – como as ocasiões em que precisou bater de casa em casa pedindo que lhe emprestassem um telefone para mandar matérias para a redação – e destacou a diferença de se escrever para uma revista e para um jornal. As dificuldades não abalaram seu amor pela profissão: “Eu sempre quis fazer jornalismo, nunca imaginei fazer outra coisa”, afirmou o convidado da mesa sobre Jornalismo Literário do último Controversas.
Você nasceu em 1968, ano em
que a ditadura estava forte no Brasil e entrou para a faculdade de jornalismo
dois anos após seu fim. Houve alguma influência do regime na sua escolha pelo
jornalismo?
Não. Sabe que isso é
até engraçado, eu nasci no dia 5 de dezembro e o Ato Institucional n° 5 foi
decretado no dia 13 de dezembro. Em 1984 eu participava das campanhas das
Diretas Já, desde jovem eu sempre gostei muito de política. Entrei na faculdade
em 1987 e a nossa turma montou uma chapa para concorrer ao Diretório Acadêmico,
mas por incrível que pareça a gente queria vencer para diluir o diretório. A
gente não queria colocar nada no lugar, só queria tirar quem estava lá, porque
eles eram muito chatos. Na minha época o que todo mundo queria fazer mesmo era
poesia. O Brasil tinha acabado de ter uma decepção forte com a política,
derrotas nas Diretas e logo depois a eleição e morte do Tancredo. O país tinha
saído da ditadura, mas a crise aumentou. Politicamente estava tudo muito
confuso e as pessoas estavam um pouco perdidas. Eu sempre quis fazer
jornalismo, nunca imaginei fazer outra coisa. Desde os meus 12 anos lia pelo menos
uns dois jornais por dia. Acredito que a ditadura não tenha muita relação com
isso, talvez tenha com minha formação de gostar de ler.
Que
mudanças no jornalismo você percebeu ao longo de sua carreira?
São várias mudanças,
algumas mais diretas e outras mais indiretas. Eu comecei a trabalhar em 1989 e
já e passaram 24 anos desde então. Naquela época, a gente escrevia a matéria em
lauda, na máquina de escrever, mas já existia o fantasma das redações
informatizadas. Quando eu entrei na Folha,
em 1990, foi a primeira vez que eu escrevi uma matéria no computador. Eu achava
aquilo sensacional e olha que eram aqueles computadores enormes. Me lembro
também que, quando o repórter viajava pra fazer reportagem, tinha que ir acompanhado de um fotógrafo e um
laboratorista, porque era preciso revelar o filme, e muitas vezes as cidades
não tinham laboratórios. O laboratorista viajava com umas malas grandes porque
tinha que levar vários produtos químicos e o equipamento. Ele transformava o
quarto em um laboratório, ficava tudo escuro e um cheiro forte de química. Para
mandar as fotos para a redação demorava cerca de 40 minutos. Outra coisa
engraçada é que em 1992 quando já havia laptop para levar em viagens, mas a
conexão à internet dependia da conexão discada, eu escrevia as matérias e batia
de casa em casa perguntando se alguém poderia me emprestar o telefone. Muitas
vezes eu acabava desmontando o telefone da pessoa pra poder colocar o cabo no
meu laptop e enviar a reportagem para a redação. Já desmontei muito telefone na
casa dos outros.
Você foi convidado para uma mesa
sobre jornalismo literário no Controversas. Como você enxerga a literatura
influenciando no seu trabalho?
Jornalismo é talento e
não inspiração, ou seja, quanto mais você trabalhar, quanto mais você se
dedicar a uma entrevista, a apurar, melhor a sua matéria fica. A literatura te
proporciona ritmo narrativo, vocabulário, ampliar sua capacidade de
entendimento de mundo, criatividade, coisas que você precisa para escrever um
bom texto. Mas a literatura não te dá a técnica jornalística, que é
fundamental. Eu nunca fui muito a favor do termo jornalismo literário, porque
jornalismo é uma coisa e literatura outra. Normalmente um bom jornalista não
consegue ser um bom romancista e vice-versa, os dois trabalham com registros
diferentes.
As chefias têm resistência em dar lugar a textos mais bem
trabalhados ou cobram o estilo convencional, mais imediatista?
Não é que as chefias resistem à ideia em si. Um texto nos
padrões que entendo como sendo adequado para desenvolvimento de certas
ferramentas mais utilizadas na literatura demanda investimento. Depende também
de tempo de apuração, muitas vezes de dinheiro em viagem, pesquisa rigorosa,
busca de documentos. É um processo mais complicado, lento, de respostas às
vezes não muito claras. Em geral, chefes optam por soluções mais imediatas em
razão da natureza do jornalismo. A urgência dos prazos é um dos nossos limites.
Mas bons chefes sabem fazer escolhas, sabem que certas histórias merecem mais
tempo, mais paciência, mais orçamento e repórteres mais experientes.
Política e Cultura são duas editorias bem diferentes. O que
te atrai nos dois segmentos?
São diferentes quando olhadas pelo varejo das notícias. Elas
têm em comum o fato de traçarem o confronto de ideias, pensamentos, linhas
macroestruturais. São delineadoras de futuro, explicadores do passado. Muito da
arte pode ser política, muito da política pode ser uma espécie de arte, em
termos de articulação, mediação, discurso.
Atualmente o jornalismo acaba sendo cada vez mais
imediatista e não há muito espaço para as grandes reportagens. Quais
consequências isso pode trazer?
O leitor imediatista é muito bem servido pela velocidade com
que as informações circulam. A quantidade dessas informações está em um nível
tal que acho que confunde as pessoas. Esse ambiente estimula quem possa ajudar
na organização e reflexão das ideias do nosso tempo. Isso pode ser feito de
muitas formas. Tem a longa e a curta, a inteligente e a chata, a pedante e a
clara, a articulada e a rarefeita. É nesse momento que atuam o bom repórter e o
bom editor. É aqui que a profissão faz sentido.
Quais as diferenças entre escrever
para uma revista como a Piauí e
um jornal como a Folha ou O Globo?
Uma revista como a Piauí tenta ir justamente nos espaços
que jornais e outras revistas deixam abertos. Ela é uma revista mensal, tenta se
aprofundar em assuntos que outros veículos não abordam. São textos longos de 25
mil a 40 mil toques, com prazos longos de apuração. Nos jornais depende. Eu já
fiz matérias na Folha que demoraram
de dois a três meses, mas isso é uma excepcionalidade. No geral, os prazos são
infinitamente menores. As pesquisas hoje mostram que as pessoas têm em média 30
minutos para ler o jornal por dia. Talvez no jornal de domingo você gaste mais
tempo. Sua relação com o jornal é diferente da sua relação com a revista. A
revista mensal você lê por dias, já o jornal você lê hoje e amanhã já tem
outro. Acho que os jornais precisam de grandes narrativas, e precisam de editores
que digam que nem tudo vale grande narrativa.
Como você vê a maior
interação com o leitor, proporcionada pela internet? Ela influi no seu
trabalho? Você costuma estabelecer algum tipo de troca com o público?
Há dois tipos de
comentários. Aqueles que estão no site do O
Globo, eu não leio porque as pessoas não se identificam, usam pseudônimos,
são agressivas. Os enviados por pessoas que te mandam mensagem por e-mail, eu
leio. Os leitores, às vezes, são questionadores e dizem no que você errou. Se é
uma dúvida, eu explico, se for erro meu, eu assumo, não vejo problema nenhum
nisso. Quando mandam e-mail pedindo mais informações, eu dou. Isso eu acho bom,
o que eu não gosto são aqueles comentários do site em si, aquela selvageria.
Isso pra mim não é interatividade. Quando os jornais colocaram aquela bagunça
no site, aquele Fla x Flu político e as pessoas te xingando, sob anonimato, não
acho que haja um debate de ideias. Essa política é meio falsa, é a falsa
interatividade. Se eu quero comentar uma notícia que está no jornal, eu tenho
que me identificar. Sob o codinome 'gostosão68' não dá.
Muito
se comenta sobre a ética do jornalista e até que ponto ele pode chegar para
escrever uma matéria. Temos como exemplo a cobertura da tragédia em Santa
Maria. Em sua opinião, quais são os limites de um jornalista?
A ética é comum, você
não pode distorcer, não pode mentir. Eu sou contra qualquer tipo de mentira. Sendo
jornalista, nunca obtive informação dizendo não ser jornalista. Não significa
que eu não possa não me identificar, mas a partir do momento que sou
questionado como tal, eu digo que sou jornalista e ponto. Não vou mentir e
dizer que sou policial. O país tem regras, leis. Formalmente, se eu publico um
grampo, eu estou quebrando a lei, mas se for de interesse público tem uma regra
maior aí, tem um sentido. Mas não posso roubar um documento, por exemplo, em
benefício da minha reportagem. Não posso contratar araponga pra investigar as
pessoas. Os jornalistas devem usar os meios jornalísticos para investigação. Jornalista
é uma pessoa como qualquer outra, eu não tenho que ter privilégio.
Qual
a sua visão do jornalismo hoje? Quais pontos você acha que deveriam melhorar?
O básico do jornalismo
é a informação bem apurada, bem trabalhada e bem editada. É assim há 300 anos.
Bons profissionais, bem formados e que saibam trabalhar a informação. Isso
depende da base. A necessidade da informação bem apurada que a sociedade
precisa e você tem, não vai ser suprida por blog ou coisas do tipo. A sociedade
quer bons jornalistas e um bom jornalismo.
O que você acha da formação acadêmica em
jornalismo? É importante?
Não me arrependo de ter
feito (Jornalismo). Não sou favorável, para não ser linchado, que os jornais
contratem só formados em jornalismo, mas é bom que hajam outros profissionais,
mesmo que sem diploma, trabalhando na nossa área também. Eu trabalhei com gente
formada em Direito, Economia, e faz uma puta diferença. Coisas que não dão
certo em profissão nenhuma são: preguiça, pouca dedicação, arrogância de achar
que não precisa ouvir as pessoas e autossuficiência. Toda vez que você acha que
já sabe demais, se dá mal. Toda vez que você deixa de fazer algo que deveria
ter feito, se dá mal. Não é uma profissão pra se ganhar muito dinheiro. Se for
pensar nisso por dinheiro, vai fazer outra coisa. Vai sempre ter altos e
baixos, felicidade e tristeza, vai trabalhar muito, vai perder namorados(as),
férias, finais de semana. Você vai ter que fazer escolhas.
Que
conselho você daria aos estudantes de jornalismo?
Leiam jornais,
revistas, livros sempre. Tem gente que gosta de cultura e lê só cultura. Recomendo
que leiam de tudo, pois é isso que vai te dar instrumento pra entender como se
faz (jornalismo). É lógico que se você gosta mais de cultura, você tende a ler
mais sobre isso, mas você deve ter um conhecimento amplo. Ter curiosidade, ser
interessado no humano, no sentido físico e no que o humano produz.
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