O fotógrafo André Arruda participou da mesa "O mercado de freelancer" no Controversas Grande Reportagem. Nesta entrevista, ele nos conta um pouco da sua carreira e fala das dificuldades e alegrias de trabalhar por conta própria.
Jader Colombino Pena
Sabryna
Teixeira Gonçalves
Em uma pequena sala,
onde a luz do dia era ofuscada por uma persiana colocada na única
janela do ambiente, fomos acolhidos por um grande sofá preto ladeado
por uma refinada poltrona vermelha de flores pretas. O capacete na
cadeira ao lado e o copo d’água oferecido na chegada nos dava
pistas do estilo de vida do fotógrafo freelancer
André Arruda. Os diversos quadros com retratos de nuvens e os tantos
outros ainda embalados no hall de entrada nos indicavam que estávamos
de frente para um apaixonado pelo que faz. Em uma conversa agradável
e repleta de divagações, fomos levados por uma hora e quarenta
minutos de bate papo. Sempre bem humorado, Arruda praticamente caiu
da poltrona na nossa frente no momento em que perguntamos sobre seus
trabalhos pessoais, tamanha era a sua empolgação.
O fotógrafo é
carioca, formado em Comunicação Social, com habilitação em
Jornalismo Audiovisual. Já trabalhou em redação no Jornal
do Brasil
e no jornal O
Globo,
atualmente tem clientes nos meios jornalístico e publicitário e
realiza projetos pessoais. Ele nos conta como surgiu seu interesse
pela fotografia e como isso foi sendo desenvolvido ao longo de sua
carreira. “Foi uma linguagem nova e eu comecei a me interessar. Na
época eu achava o escrever meio passivo, não era o que eu queria
exatamente”, contou.
Você
fez faculdade de jornalismo?
Sim,
na faculdade Cidade, que hoje é a UniverCidade. Entrei em 1986 e me
formei em Jornalismo, com ênfase em Audiovisual. Tive uma formação
muito ruim no secundário, e precisei recuperar o tempo perdido na
faculdade. Foi bem legal e eu gostei bastante. Mas aconteceu uma
situação que eu nunca esqueci: um dos donos da faculdade na época
demitiu todos os professores que eram gays e de esquerda. E a
justificativa dele foi montar um perfil técnico da faculdade. Ali eu
posso dizer que larguei de mão, já estava quase me formando também.
Foi um choque muito grande, mas era outra história.
O
seu primeiro contato com a fotografia foi na faculdade?
Não,
meu primeiro contato foi com uma câmera do meu pai. Eu gostava de
brincar com aquilo e fotografava a televisão. Mas infelizmente um
dia a câmera quebrou e a gente não tinha dinheiro (para consertar).
Depois, na faculdade, um professor mostrou pra gente uma foto de
Cartier Bresson e aquilo foi um choque pra mim. Eu falei: “O que é
isso?” Foi uma linguagem nova e eu comecei a me interessar. Na
época eu achava o escrever meio passivo, não era o que eu queria
exatamente. Na faculdade eu me interessava – como ainda me
interesso – por vídeo. Não era o vídeo que é hoje, porque hoje
você com um computador e uma câmera você faz um projeto de vídeo.
Pra fazer um trabalho de vídeo naquela época era um drama, tinha
que reservar hora na ilha da faculdade, as câmeras eram ruins, tinha
que fazer um projeto pra mostrar pra o professor e ele sempre dizia
não. Ninguém que foi pra vídeo se deu muito bem, todo mundo ficou
trabalhando pra pequenas produtoras e eu me lembro de poucos que
tiveram sucesso.
"Na faculdade, um professor mostrou pra gente uma foto de Cartier Bresson e aquilo foi um choque pra mim. Eu falei: 'O que é isso?'. Na época eu achava o escrever meio passivo, não era o que eu queria exatamente."
Quais
fotógrafos são referência pra você e inspiraram o seu trabalho?
Acho
que são três: Cartier Bresson, que me inspirou na época e hoje não
mais. Falar de Bresson é falar de Guimarães Rosa, é referência, mas
não cabe mais. Richard Avedon e Helmut Newton. Avedon pelo retrato e
Newton por fazer algo que eu acho dificílimo, que é fazer uma coisa
erótica, quase vulgar, e com humor. E Sebastião Salgado, que eu
acho que nenhum fotógrafo fez o que ele fez e nem vai fazer. Porque
eu acredito que fotografia não tem desculpa: ela é ou não é.
Odeio quem chega pra explicar. Você não pergunta pra o médico qual
bisturi ele vai usar. Por isso que eu não gosto de arte conceitual,
ter que explicar... Não explica não. A arte emociona ou não. E
acho que esses fotógrafos que mencionei têm bastante disso.
Quem
você gostaria de fotografar e ainda não teve oportunidade?
Poxa,
muita gente. Queria fotografar o Obama, mas sei que não é possível,
porque essas pessoas você tem cinco minutos pra fotografar. Mas se
eu pudesse, o fotografaria do meu jeito. Gosto de gente que gosta de
ser fotografada. Scarlett Johansson, por exemplo, seria um sonho. E
tem aqueles que não estão mais vivos, mas eu gostaria de ter tido a
oportunidade de fotografar, como Marylin Monroe, Steve Mcqueen, Frank
Sinatra.
Algum
brasileiro?
Eu
queria fotografar o Pelé, mas é muito difícil fotografar essas
pessoas porque você tem que fazer contato com a assessoria de
imprensa e só fotógrafos como o JR Duran pra conseguir. Já
fotografei tanta gente legal, por exemplo, o Gilberto Gil, um
príncipe. Estou indo fotografar o Ariano Suassuna. Mas acho que eu
estou gostando mais de fotografar as pessoas comuns. Agora quem eu
não gosto de fotografar de jeito nenhum são os BBBs, isso pra mim é
um desastre pro Brasil e isso está contaminando a sociedade.
"A minha visão de freelancer não é ficar sentado esperando trabalho, mas sim ter visão empresarial e colocar o seu produto pra vender sempre."
Você
acha que dá pra viver de fotografia?
Essa
é uma pergunta maravilhosa. Sim e não. Você tem que ser
extraordinariamente bom. Só vai viver mal de acordo com as opções
que você faz. Se você me colocar no Ministério da Economia eu faço
bem porque eu vivo em orçamento, eu sei meu orçamento pra daqui a
três meses de cabeça. Tenho sorte também porque não pago aluguel,
o apartamento é de família, vivo numa onda boa. Devem ter entre dez
e quinze fotógrafos no Brasil que vivem muito bem de fotografia, o
resto passa alguns bons apertos. E a minha visão de freelancer não
é ficar sentado esperando trabalho, mas sim ter visão empresarial e
colocar o seu produto pra vender sempre. Se o cara fica sentadinho
esperando, ele desiste. Você tem que se vender sempre e ocupar os
espaços que te dão.
Quais
são os pontos positivos de trabalhar como freelancer?
Tem
o crescimento pessoal, pois você faz o que você quer.
"Fico vendo quem vence, sempre são aqueles que buscaram se aperfeiçoar, buscaram ser os melhores."
E
os pontos negativos do trabalho?
Acho
os pontos negativos tão comuns que já nem são mais negativos. Na
verdade, gosto muito desse lance empreendedor. Às vezes dá certo,
às vezes não, acho que pra fotógrafo está cada vez mais
complicado porque tem que entender o mercado, tem que vender. Como
ponto negativo seria ficar um tempo sem trabalhar, então tem que
saber guardar o dinheiro. Não é pensar: “Estou com dinheiro, vou
viajar pra Europa”, e depois da viagem não tem como se manter. Eu
acho, inclusive, que no Brasil tinha que acabar com a figura do
emprego fixo e todo mundo correr atrás; assim o país despontaria,
porque acabaria a zona de conforto e todo dia você acordaria pra
vencer. Fico vendo quem vence, sempre são aqueles que buscaram se
aperfeiçoar, buscaram ser os melhores.
"Outro dia me disseram: esse céu não existe. Existe, porque é o céu que eu queria. Realidade não existe."
Você
já trabalhou em jornais como O Globo e Jornal do Brasil. Tem saudade
de redação?
Não
tenho mais saudades do jornal diário, porque lá se trabalha demais
e isso é pra jovem. Trabalhei dois anos no jornal O Globo e não foi
uma experiência positiva. Também trabalhei no JB de 1992 a 1998,
mas era outra época, completamente louca e diferente que não vai
acontecer mais em nenhum outro lugar. Eu adoraria que existisse uma
revista boa no Rio e que eu tivesse uma boa foto por semana pra
fazer, com a qualidade que eu acho que tem que ter. Não sou um
fotógrafo de muitas imagens, gosto de entregar poucas, mas com
aquele acabamento de manga de roupa, de maquiagem, de cor de olho.
Não é manipular, mentir, é chegar onde eu quero. Outro dia me
disseram: esse céu (de uma fotografia) não existe. Existe, porque é o céu que eu
queria. Realidade não existe. Realidade é um pardal de rua, vai ali
pra janela e fotografa. Eu quero colocar a pessoa pra pensar,
refletir e sempre tento ousar em meus trabalhos.
Quais
são suas fontes de inspiração para fotografar?
Basicamente tudo.
Desde aqueles pintores holandeses, que tive a oportunidade de ir ver
de perto, o cinema, a música, afinal toquei baixo, Black Music
durante um tempo, até coisas simples como uma vitrine de sapato bem
arrumada, uma janela de avião com as nuvens. Acredito que tem sempre
aquele núcleo de informação no qual a gente se foca. Acho que é
por aí e minha cabeça fica girando em torno disso: pintura, livros,
música o tempo inteiro, basicamente Rock’n Roll e Soul Music.
"Ninguém quer ficar sentado na festa, todo mundo quer dançar, todo mundo quer gozar, todo mundo quer a pulsão sexual, todo mundo quer ser amado, ser aceito, quer aparecer."
Você
desenvolveu um ensaio sobre mulheres fisiculturistas. Como surgiu
essa ideia?
Primeiro
porque eu gosto de mulheres. Comecei a ver que as mulheres estavam
ficando fortes, e ao mesmo tempo começaram a aparecer em Copacabana
e todos olhando com um olhar torto. Elas ficam desse jeito porque a
maioria delas, como todos nós, quer ser aceita. Ninguém quer ficar
sentado na festa, todo mundo quer dançar, todo mundo quer gozar,
todo mundo quer a pulsão sexual, todo mundo quer ser amado, ser
aceito, quer aparecer. A mulher que não tem certos atributos, a
gordinha, feinha, magrinha demais, sente-se rejeitada. Por isso
acabam recorrendo à musculação e isso se torna um vício, pois
você começa a crescer, começa a querer mais e mais e mais. Umas
são muito feias, mas todas tem um corpo que chama atenção. E estão
todas dançando, não estão mais sentadinhas. Ao contrário disso eu
vi que tinha no Brasil um preconceito grande contra elas porque as
pessoas acham que elas são masculinizadas ou lésbicas. A Ana, uma
das modelos, inclusive, foi agredida por homens porque pensaram que
ela era travesti e quando descobriram que ela era mulher bateram mais
ainda. Pra eu publicar o Fortia Femina tem que ter um editor muito
bom, mas ainda não tenho. Não acho que ele esteja pronto ainda.
Talvez quase pronto. Quero ver se eu chamo a Graciane, mulher do
Belo, pra fotografar. Acho que é uma tendência que não vai
diminuir. Acho até que é um reflexo do papel da mulher na sociedade
hoje, onde ela tem que se impor mais. Se eu acho bonito ou feio, acho
um corpo sarado bonito, mas muito musculoso não. Eu acho o corpo
humano bonito.
Como
surgiu a ideia do “Cem coisas que cem pessoas não vivem sem”?
Surgiu
de um trabalho que fiz fotografando objetos e também da necessidade
que vi de ter um livro meu publicado, algo que não ficasse na
estante, mas que despertasse a curiosidade das pessoas. Veio então a
ideia de fotografar aquilo que as pessoas não vivem sem, seus
objetos. E aí fui atrás dos brasileiros primordiais que eu julgo
serem três: o índio, o vaqueiro e o pescador jangadeiro. Fotografei
mais de 130 pessoas, desde prostitutas até João Havelange, e fiz
questão de não entrarem nem clérigos, nem advogados, nem
políticos. Trabalho neste projeto desde 2005 e ainda estou em busca
de alguns. Consegui agora a oportunidade de fotografar o Ariano
Suassuna, uma delegada de Polícia e um jangadeiro. Já fotografei
nomes como Ana Maria Braga, Gilberto Gil, Rafinha Bastos, Fernando
Meirelles. Quem eu gostaria de fotografar e
não consegui foi o William Bonner. Minha ideia era fotografá-lo de
costas, sem camisa, não sei se ele ia topar, mas um dia eu faço
essa foto.
E
você, não vive sem o quê?
Não
vivo sem minha motocicleta. Fotografaria junto com ela. Não gosto de
carro, já tem carro demais na cidade.
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